"Por cima o Céu, por baixo a Terra, no meio os Ciganos"

(provérbio Cigano)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

"Quando acreditam em nós e nos dão oportunidades!"


"A esta altura do campeonato já não me surpreende que me tenham convidado a escrever um artigo de opinião. Neste país, a EAPN Portugal começa a ter tradição em dar o papel principal aqueles que costumam ser ofuscados pela sociedade.
Tenho 14 anos como ativista cigano, anos de luta, de muita desilusão, frustração por não ver questões políticas e sociais, injustas, serem corrigidas. Não posso precisar com clareza, mas creio que foram mais momentos de amargura do que doçura; doçura vivida com muita intensidade, pois pequenos passos eram festejados com muita vibração. Estes festejos eram e são partilhados por pessoas que connosco, ativistas ciganos, têm traçado um caminho que visa melhorar a situação deste país. Sim, porque quando se melhora a situação de um cidadão que está em desvantagem por determinadas razões, o país também melhora.
Durante alguns anos fui convidado, enquanto presidente da Associação Cigana de Coimbra, a estar presente em variadíssimos eventos relacionados com as comunidades ciganas por esse país fora. Perdoem-me as pessoas ou entidades que organizaram essas iniciativas, mas senti que a minha presença era, como se diz na gíria, para inglês ver, para demonstrar que os ciganos são chamados a participar. Pura hipocrisia! Os ciganos ativistas são ainda hoje, tanto em Portugal como na Europa, tratados como alguém a quem escasseia potencial e competências para a gestão do seu próprio processo de inclusão na sociedade. Como diria o Juan Dios Heredia “continuam a fazer o bolo sem a farinha (ciganos). Dali pode sair alguma coisa, mas nenhum bolo!” É lamentável que as políticas se façam sem a participação dos interessados, os ciganos só avulsamente têm sido chamados a participar, convidados mas não tidos em conta. As nossas opiniões entram a 100 e saem a 200, fazendo dos ativistas ciganos protagonistas secundários do seu próprio processo de inserção, onde lhes é vedada a participação e a representação. Basta observarem quem de fato deveria dar o real exemplo, onde estão os ciganos como principais impulsionadores de políticas a seu favor? Isto é a mesma coisa que ter fome, ter a cozinha cheia de alimentos e ingredientes para fazer um bom cozido à portuguesa e alguém, intruso, entrar na minha casa e obrigar-me a comer uma canjinha de arroz porque é mais barato e porque pode ser mais saudável. É isso que se tem feito connosco. Fazem a refeição por nós e obrigam-nos a engoli-la. Isto é o mesmo que nos chamarem incapacitados, não é? Ou estarei a ser duro demais?
A EAPN Portugal, felizmente, quebra todo este ciclo vicioso, não permite que se silenciem os principais interessados, para eles vão os papéis principais, dando-lhes a oportunidade e o risco de errar, mas há essa oportunidade.
A EAPN Portugal tem habituado e capacitado os ativistas ciganos para falarem, para exporem, para contestarem, para contribuírem e construírem, com a consciência de que só assim se pode construir um verdadeiro processo de cooperação visando a melhoria e a minimização de toda a problemática em que grande parte das comunidades ciganas estão mergulhadas.
As pessoas e instituições têm que se unir num lema que passa por acreditar nos cidadãos, no seu potencial, no seu dom. Se assim não for é melhor que fechem as portas, pois é essa a base para construirmos um mundo melhor. Não quero ser presunçoso, mas acredito que em Portugal poucos são os ativistas ciganos que tiveram a oportunidade de viajar pela europa em formações, eventos, seminários e até abrir sessões de seminários. Hoje considero-me um dos maiores peritos ciganos em Portugal. Sabem porquê? Porque alguém (a EAPN Portugal) acreditou em mim. Nunca duvidaram do meu potencial e do meu eventual crescimento enquanto homem e ativista.
O meu livro infantil “A História do Ciganinho Chico” é um sucesso, mesmo fora de portas. O Brasil é o meu próximo destino para o apresentar. Este livro é fruto de um sonho de 10 anos, pois acreditei que os rascunhos que fui fazendo iriam dar um bom livro. Não me posso esquecer daqueles que se riram dos meus rascunhos e das entidades que ignoraram a minha escrita. Ouvi muitos nãos, sobretudo daqueles que deviam acreditar, mas o preconceito falou mais alto. Mesmo assim, nunca desisti, todos os nãos eram aproveitados para melhorar. Felizmente há entidades que em Portugal não olham para a pessoa mas sim para o conteúdo e, por isso, agradeço à Fundação Calouste Gulbenkian que, uma semana depois de ver o pré-projecto do livro se disponibilizou para ajudar na edição. Também não esqueço outras entidades, com responsabilidade de promover a temática, que também me responderam numa semana, com uma grande nega!
Mas quando acreditam em nós, como é o caso da EAPN Portugal e da Fundação Calouste Gulbenkian, principais patrocinadores do meu livro, a diferença aparece. E é isso que a EAPN Portugal tem vindo a fazer, criando oportunidades e espaços para que os mais interessados possam edificar e traçar os seus próprios processos de inclusão.
O lema da EAPN Portugal é este: trabalhar com e não para. Faz toda a diferença!"
Bruno Gonçalves, Vice-Presidente do Centro de Estudos Ciganos 
in http://focussocial.eu/opiniao.php?id=74